O Escritor é o oposto da burocracia
- Jamile Castro Félix

- há 5 dias
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Um escritor pode fazer de suas palavras o que quiser. Desde que saiba como fazer.

As regras no mundo da escrita são voláteis. Assim como as formas de se contar uma história.
Não há decreto fixo, nem receita a seguir. Cada autor inventa, a cada palavra, um novo modo de existir.
Seja um gato de botas, uma criança que não cresce, animais que falam e deuses que descem à Terra para copular. São eles — os escritores — que possuem nas mãos o privilégio e o fardo da criação infinita.
“No íntimo de cada artista existe um lugar sagrado onde todas as regras são deixadas de lado ou esquecidas deliberadamente, e nada mais importa senão as escolhas instintivas do coração e da alma do artista.”
— Christopher Vogler, autor de “A jornada do escritor”

Mas o que Vogler quis dizer?
Há muito a se considerar. Talvez que, dentro de cada escritor, existe uma parte indomável — um território onde o medo se dissolve e o instinto conduz. Quando escrever se torna natural e tão simples quanto respirar que parar já não é mais uma opção. Onde o verdadeiro ato de criação acontece. Onde não há burocracia, nem método que aprisione o instante em que uma história nasce.
Escrever é contrariar a ordem natural das coisas.
É mover-se entre o que é e o que poderia ser. É entender que o mundo literário não se ergue sobre planilhas, e sim sobre abismos.
O escritor não obedece à linearidade, à pressa ou à clareza obrigatória. Ele começa pelo fim se quiser, apaga o meio, reescreve o início, transforma o clímax em princípio.
Cria, destrói, refaz.
Tudo é indiferente diante da urgência de dizer algo que só ele pode dizer.
Os limites não existem.
Nesse caso, as regras existem apenas para serem dobradas com elegância. Guardadas em bolsos não tão chiques, deixadas no esquecimento.
Agradar ou não ao público é consequência, nunca propósito.
O escritor não escreve para satisfazer — escreve para existir além do próprio corpo.
E se o leitor o acompanha, é porque reconhece em suas palavras o reflexo de um desejo que também o habita: o de não viver sob as ordens da lógica. Ou de outros, muito menos suas opiniões e ações.
A arte literária se opõe ao sistema porque nasce do caos. De um lampejo, de uma lembrança, de uma raiva, de um sonho. Nada é planejado demais — e quando é, perde o encanto. A escrita é desobediência em estado puro.
Deve procurar sempre se libertar de qualquer amarra.

Nada é original, e ainda assim, tudo é. Pois a originalidade não está na ideia, mas no olhar.
Na forma como o autor respira no texto e deixa o íntimo se expor.
O escritor verdadeiro entende que toda história já foi contada — mas nenhuma foi contada por ele. É nesse detalhe sutil que nasce a magia. A beleza da escrita está em transformar o já-dito em algo que vibra de novo, em suas mãos.
Por isso, seguimos sem temer o absurdo. As ideias tolas de hoje podem ser as obras-primas de amanhã, desde que carreguem alma. Tudo depende do modo como são ditas, do ritmo, da pausa, do silêncio entre uma frase e outra. Tudo depende do quanto o escritor está disposto a se desnudar para dizer o que precisa ser dito.
Escrever é um ato de fé. De entrega, de teimosia e de liberdade. A burocracia quer fórmulas. O escritor busca o mistério. É o território do possível. E o escritor, o seu deus menor.
Enquanto a burocracia mede, calcula, padroniza. O escritor sente, desobedece, reinventa.

A diferença é que a burocracia teme o erro, e o escritor o transforma em beleza. Enquanto o mundo pede coerência, o escritor oferece vertigem. E nessa vertigem, algo se revela — o milagre silencioso de criar o que não existia antes.
Tudo depende de como uma história é contada.
Depende de quanto o autor acredita nela.
No fim, é simples e devastador: como escritor, você pode fazer o que quiser.
A pergunta é — você irá?












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